Não me foi formulada se quer a solicitação para o competente parecer à volta do tema, mas pela sua pertinência achei ser necessário tecer algumas considerações, no uso da minha experiência como profissional com passagem por largo tempo na gestão de ramos pessoais e em algum momento ter sido confrontado com situações diversas resultantes de sinistros, sejam os facilmente enquadráveis nas nossas Condições Contratuais, como aqueles que para a regularização dos respectivos processos exigiam uma análise mais apurada e aprofundada e, muitas vezes, com recurso a pareceres dos advogados, como por exemplo, os casos de desaparecimento da pessoa segura e, não raras vezes, de mortes ou situações de invalidez por acidentes resultantes de baleamento.
A questão acima surge na sequência de uma troca de impressões à volta do enquadramento ou não do risco de baleamento nas coberturas do Seguro de Acidentes Pessoais. E, vezes sem conta, as seguradoras se têm confrotado com dúvidas no cumprimento das suas prestações obrigacionais por força do contrato de Seguro, quando o sinistro resulta de um baleamento e daí a questão: Até que ponto o baleamento é uma cobertura no Seguro de Acidentes Pessoais?
Enquanto, por um lado, paira nas nossas mentes o facto de o baleamento, dado o seu carácter violento, estar associado um tipo legal de crime que atenta contra a vida e integridade física da vítima. Por outro lado, está o facto de a acção de baleamento não constituir uma vontade da vítima ou dos seus possíveis beneficiários.
Mais ainda, está o facto evidente do Seguro de Acidentes Pessoais que tem por objecto a reparação, seja em forma de indemnização ou renda, seja em forma de assistência médica, dos danos sofridos pela pessoa segura em virtude de acidente, podendo compreender prestações convencionadas ou indemnizatórias ou combinação de ambas.
Para que o baleamento seja considerado uma cobertura, todas as condições nele envolvidas devem se afastar de um acto dolosamente premeditado, sob o risco de, quando executado pela pessoa segura com intuito de pôr termo a sua própria vida tomar o nome de suicídio, extravazar o âmbito de cobertura e cair no campo dos riscos absolutamente excluidos.
É verdade que, no caso particular do suicídio, o Regime Jurídico dos Seguros aprovado pela Lei nº 10/2010, de 31 de Dezembro, no seu artigo 247, quando ocorre com a pessoa segura não exclui o benefício, desde que se verifique depois de completado um ano sobre a data da celebração do contrato de seguro, situação contraditória com o tratamento de que é objecto o suicídio nas Condições Gerais vigentes.
Para o nº 1 do art. 4º das Condições Gerais do contrato de Seguro de Acidentes Pessoais em vigor na Seguradora Internacional de Moçambique, SA, constitui um risco absolutamente excluído todo acidente resultante de crime e outros actos intencionais, nomeadamente, infracções e imprudências graves, da pessoa segura, bem como o suicídio ou mera tentativa.
O baleamento, como uma cobertura contratualmente prevista na apólice de Seguro de Acidentes Pessoais, deve ser de natureza acidental, um acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a acção de uma causa exterior e estranha à vontade da pessoa segura, do tomador de seguro e do beneficiário e que nesta origine lesões corporais, invalidez ou morte clinica e objectivamente constatada.
No caso concreto das Condições Gerais do contrato de Seguro de Acidentes Pessoais, considerando que a acção do baleamento se consubstancia com o conceito de acidente, não se pode, por isso, tratar-se de uma exclusão.
Finalmente e face ao acima exposto, importa tecer alguma conclusão em sede da questão inicialmente levantada: Até que ponto o baleamento é uma cobertura no Seguro de Acidentes Pessoais?
Apesar de ser um crime que atenta contra a vida humana e integridade física da pessoa segura e ressalvando-se questões atinentes à Autonomia Privada, o baleamento quando não resulta da vontade desta, do tomador de seguro ou do beneficiário, sendo revestida de natureza acidental, fortuito, súbito e constituindo acção de uma causa exterior e estranha no seio das entidades ou pessoas interessadas no seguro, nada obsta que o mesmo seja considerado uma cobertura na apólice de Seguro de Acidentes Pessoais, susceptível de accionar a obrigação de indemnizar por parte da seguradora à pessoa segura ou seus beneficiários até aos limites previstos nas Condições Particulares da apólice.