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Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil
Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil

Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (SORCA)

A palavra seguro é originária do latim securus, gramaticalmente exprime o sentido de livre e isento de perigos e cuidados, posto a salvo, garantido. O seguro de automóveis é um seguro real, com características dos seguros de bens ou coisas. É também, um seguro de pessoas, responsabilidades, pois as suas garantias básicas oferecem não só, coberturas emergentes dos riscos de utilização do veículo, quer sejam os danos materiais (do veículo seguro ou alheios) como também, dos danos causados pelo veículo seguro.

O seguro automóvel constitui uma das formas elegíveis de transferência do “risco” e consiste num documento que titula o contrato celebrado entre o tomador de seguro e a seguradora, em que constam as respectivas condições gerais e compelmentares, condições especiais e ainda exclusões gerais e especiais. Este documento, por sua vez, é designado de apólice de seguro, deve ser datado e assinado pela seguradora.

Segundo Teodoro Andrade Waty[1], “o seguro obrigatório de responsabilidade civil cobre as perdas pessoais e danos patrimoniais ocasionados por automóveis.

Entenda-se por perdas pessoais como o conjunto de danos não patrimoniais, prejuízos que, não sendo susceptíveis de avalição pecuniária, devem, no entanto, ser compensados através do cumprimento de uma obrigação pecuniária. E danos patrimoniais, o conjunto de prejuízos de possível avaliação pecuniária que devem ser reparados ou indemnizados.

São partes do contrato de seguro, por um lado, a seguradora, entidade legalmente autorizada para a exploração do seguro automóvel, que subscreve o presente contrato. E, por outro, o tomador de seguro, a pessoa ou entidade que contrata com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do respectivo prémio[2], ou, o segurado, quando este coincide com o tomador de seguro, que é pessoa ou entidade no interesse do qual o contrato é celebrado.

Dado o grande impacto dos acidentes de viação, em muitos países foi introduzido o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, para ressarcir a quem seja atingido na sua integridade física ou no seu património por este tipo de acidentes”. E em Moçambique, o Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel é hoje regulado pela Lei nº 2/2003, de 21 de Janeiro, cujo regulamento foi aprovado pelo Decreto nº 47/2005, de 22 de Novembro.

A institucionalização do Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (SORCA) ocorre numa altura em que Moçambique já registava um parque automóvel de 164.575 veículos, dos quais 50.461 circulavam na Cidade de Maputo, números que, até Dezembro de 2010 evoluíram para 357.115 para o país e pouco mais de 120.000 unidades, para a Cidade de Maputo.

O SORCA enquadra-se na classe de Responsabilidade Civil, destinando-se ao ressarcimento de pessoas vítimas de lesões corporais ou danos no seu património em consequência de actos ou omissões cometidos por quem tenha a obrigação de indemnizar. Estas pessoas, em linguagem técnica de seguro são designadas de terceiros lesados, aqueles que, em consequência de um evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco previsto no contrato de seguro, considerando-se como um único ou vários eventos resultantes da mesma causa (sinistro), sofram lesões que originem danos susceptíveis de, nos termos da legislação vigente e da apólice, serem reparados ou indemnizados.

A sua justificação reside na função indemnizatória que, a partir da qual, o tomador do seguro pretende eliminar um risco, rectius, transferi-lo para uma seguradora. Ou seja, a seguradora assume o risco de indemnizar o terceiro lesado em contrapartida do recebimento do respectivo prémio. O risco é o próprio seguro, pois é o facto contra o qual se segura. A sua essência no contrato de seguro encontra-se na própria lei, na medida em que, não há seguro sem o risco.

Fazendo uso de outras justificativas que Pedro Romão Martinez[3] faz alusão do ponto de vista de supressão de necessidades, eliminação do risco e perspectiva industrial, julgamos serem perfeitamente enquadráveis no contrato de SORCA.

Quanto à supressão de necessidades, pesa embora a função indemnizatória seja tradicionalmente mais relevante no âmbito dos seguros em geral, para o titular da apólice de SORCA pode ter em vista a tal supressão de necessidades relacionadas com a contingência de acidente de viação que é assumida pela seguradora, arcando esta com as despesas, no lugar do tomador do seguro.

Mais ainda, no que concerne à perspectiva industrial, é chamado o papel da seguradora assumir o risco por conta do tomador do seguro. Mas para a seguradora, assunção de riscos alheios contra o pagamento de um prémio não pode ser entendida somente na situação concreta, pois há que tomar em conta esta a celebração de contratos em larga escala, superando-se a assunção de um risco esporádico, no sentido de que, para seguradora o risco não é visto unitariamente, mas no plano global dos vários riscos assumidos, com base no cálculo de probabilidades.

Sobre a matéria, o posicionamento com que ficamos é que é de todo o interesse da seguradora, no âmbito de exercício da sua actividade empresarial assumir a multiplicidade de riscos decorrentes de vários contratos de SORCA, na medida em que o risco é diluído e assenta numa previsão matemática[4].

Actualmente, com o crescimento do parque automóvel, o aparecimento de viaturas em número cada vez mais elevado, circulando nas vias públicas e desprovidas de qualquer tipo de seguro, aliado ao elevado índice de acidentes de viação, constituem factores preocupantes a tal ponto de motivarem a revisão do Código de Estrada e, consequentemente, a institucionalização do SORCA, por via da Lei nº 2/2003, de 21 de Janeiro.

No nº1 do artigo 1º do mesmo diploma legal, sob epígrafe “Obrigação de Segurar”, torna “obrigatório o seguro de responsabilidade civil automóvel na República de Moçambique”. Ou seja, é vedado o trânsito na via pública de veículos automóveis e seus reboques sem que esteja efectuado o respectivo seguro de responsabilidade civil automóvel, contratado em seguradora autorizada a exercer a sua actividade no território nacional e que garanta a responsabilidade das pessoas ou entidades civilmente responsáveis pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, causados a terceiros, em consequência de acidentes de viação (nº 1 do artigo 57º do Código de Estrada, aprovado pelo Decreto – Lei nº 39: 672, de 6 de Novembro de 1959, já revogado).

O novo Código de Estrada, em vigor no país, desde o dia 24 de Setembro de 2011, por via do Decreto – Lei nº 1/2011, de 23 de Março, refere no seu artigo 157, sob epígrafe “Obrigação de seguro” que “os veículos a motor e seus reboques (...) só podem transitar na via pública desde que seja efectuado seguro de responsabilidade civil”. É uma obrigação que também se estende para os veículos desportivos, quando tenham a necessária autorização para a realização, na via pública, de provas desportivas e treinos oficiais (art.158) que, sobre a matéria, o Decreto nº 47/2005, de 22 de Novembro, Regulamento da Lei sobre o SORCA, no seu artigo 3, sob epígrafe “Seguro de provas desportivas” refere que, quaisquer provas desportivas de veículos terrestres a motor e respectivos treinos oficiais só poderão ser autorizados mediante a celebração prévia de um seguro, feito casuisticamente, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores, relativamente a acidentes que possam ser causados por esses veículos.

A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai sobre, respectivamente, o usufrutuário, adquirente ou locatário. No caso de veículos a motor desportivos, a obrigação impende sobre o organizador, bem como os proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes. Contudo, se qualquer outra pessoa, tendo razões que preencham o interesse segurável[5] previsto nos termos do artigo 88 do Regime Jurídico dos Seguros, celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro ao abrigo da Lei nº 2/2003, de 21 de Janeiro, Lei sobre SORCA, fica suprida a obrigação, enquanto o contrato produzir efeitos.

Com a institucionalização do SORCA no país, pretende-se fazer despertar a consciência, no sentido de que, toda a pessoa, que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos, sejam eles patrimoniais ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo automóvel e seus reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se nos termos legalmente previstos.

Quando a Lei do SORCA assim provê, sujeitando o autor dum facto ilícito, como é o caso de acidente de viação, à reparação dos danos ocasionados, estamos em sede de responsabilidade civil que consiste na necessidade imposta a quem transgride as suas obrigações, adoptando comportamento diverso do que lhe era prescrito, e por tal forma cause prejuízo ao titular do correspondente interesse tutelado pela ordem jurídica, de colocar à sua custa o ofendido no estado em que ele se encontraria se não fosse a lesão sofrida.

Procura-se, assim, por um lado assegurar a continuidade da protecção da vida e o património dos cidadãos, como direito fundamental e constitucionalmente instituído e, por outro lado, porque a responsabilidade civil surge precisamente para permitir à vítima imputar a lesão sofrida a terceiro culpado, de modo a que este deva “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º CC), partindo do princípio geral secularmente entendido como fonte de obrigações, ainda que isso seja apenas notório, do ponto de vista da sistemática legal, no que respeita à chamada responsabilidade extracontratual[6] [7].

Neste contexto, fica claro que a carga negativa que sempre envolve os acidentes de viação é tanto mais expressiva quanto maior for a probabilidade do lesado não ver devidamente ressarcido o justo montante do prejuízo.

Por esta e demais razões, entendemos que o SORCA carrega na sua essência, conforme fizemos referência anteriormente, duas peculiares funções: a função económica e a função social. E, sobre a matéria, Teodoro Andrade Waty[8], refere que “devido às consequências, tanto de natureza económica como de índole social que desencadeia, o contrato de seguro exerce uma função que transcende a visão meramente privatística por que era encarado na sua génese”.

Assim, o SORCA justifica-se no facto de os titulares das respectivas apólices não terem a necessidade de imobilizar fundos financeiros destinados a repor perdas e danos causados a terceiros, emergentes de acidentes de viação, o que revela um grande impacto social.

Sendo, por isso mesmo, digno de registar que o papel assumido pelo SORCA quando estimula as actividades empresariais individuais, segurando riscos de significativa magnitude. Quando tais riscos ocorrem, a indemnização paga por via do SORCA permite reparar o dano, reconstituindo, por exemplo, o bem destruído.

Segundo José Vasques[9], o seguro entra na vertente económica, quando se refere à “garantia de indemnização de danos que de outra forma inviabilizariam actividades económicas e redução de riscos empresariais e, na medida em que, por forças das próprias características da actividade, as seguradoras são obrigadas a constituir e aplicar grandes volumes de provisões, tornando-se um importante investidor institucional”.

Nalgumas vezes o SORCA pode não ser suficiente para cobrir os danos causados, recorrendo-se a outras formas alternativas que partem desde o accionamento de coberturas de outros seguros existentes e celebrados para o mesmo bem. Como acontece, por exemplo, em Portugal, em que a ausência ou insuficiência do SORCA, a indemnização sobre os prejuízos causados a terceiros é assegurada pelo Fundo de Garantia Automóvel. Sobre esta matéria de meios alternativos extra-seguro, o mesmo não sucede no nosso país, dada a não institucionalização do referido fundo, ou qualquer outra forma alternativamente aceite, o que deixa, tanto o causador como a vítima em situações de difícil solução.

Conforme ensina António Santos Abrandes Geraldes[10], na sua obra sobre acidentes de viação, o Fundo de Garantia Automóvel é uma entidade gerida pelo Estado. No nosso caso (à semelhança de Portugal) seria através do Instituto de Supervisão de Seguros de Moçambique (ISSM), tendo como função garantir a reparação de danos decorrentes de acidentes de viação causados por responsáveis desconhecidos ou que não tenham cumprido com os requisitos impostos pela Lei nº 2/2003, de 21 de Janeiro, ou ainda que o SORCA não se tenha mostrado suficiente na cobertura do dano causado.

Sem pretendermos nos desviar do tema do nosso trabalho e uma vez feita referência do Fundo de Garantia Automóvel, torna-se imperioso o seu esclarecimento, principalmente quanto às receitas que o mesmo teria para fazer face aos danos causados a terceiros por veículos desprovidos ou com insuficiência dos seguros.

As receitas do referido fundo de garantia automóvel, ou seja qual for a designação, proveriam de uma percentagem sobre o montante dos prémios de seguro dos contratos de seguro do ramo automóvel, cujo objectivo é a protecção dos direitos de lesados em acidentes de viação, reconhecendo-lhes a o direito de exigir o reembolso das despesas efectuadas dos responsáveis ou das pessoas que estivessem obrigadas à celebração do contrato de SORCA.

Ou ainda, sem pretendermos “forçar” a institucionalização no país de um fundo à semelhança do previsto no ordenamento jurídico português, é do nosso entendimento que torna-se imprescindível a adopção de medidas proteccionistas, sejam à dimensão do fundo de garantia automóvel, de outras formas de criação de fundos com os mesmos objectivos, a partir, por exemplo, de uma percentagem sobre o imposto anual de automóvel, vulgo “manifesto” ou sobre o custo de combustível, para além de se admitir que, de per si, o responsável causador adopte medidas para fazer face aos custos com sinistro.

Estaria assim a ser chamada mais uma forma de intervenção directa do Estado, através do ISSM, no ressarcimento de danos decorrentes de acidentes de viação, ficando a responsabilidade do fundo limitada pelo valor do capital do seguro obrigatório, sem prejuízo das exclusões que a lei prevê, designadamente, relativos ao condutor do veículo responsável, em relação a outras pessoas ou ainda os danos causados no próprio veículo, danos causados em bens nele transportados ou ainda danos causados a terceiros, durante operações de carga e descarga.

Estas e outras medidas poderão servir de base para alternativamente ao SORCA estabelecer-se mecanismos para acorrer casos relativos aos acidentes de viação envolvendo veículos automóveis desprovidos de qualquer tipo de seguro, acautelando os direitos dos terceiros lesados.

 

Fica, desta forma a tendência socializante a ganhar maior consistência, principalmente, quando o Estado é chamado a legislar, não só de tornar o obrigatório o seguro de responsabilidade civil automóvel, como também institucionalizando outras medidas alternativa e legalmente aceites para a cobertura de danos emergentes de acidentes de viação, considerado como acontecimento súbito, fortuito e independente da vontade do tomador do seguro ou do segurado ocorrido, em consequência exclusiva da circulação rodoviária do veículo seguro, quer este se encontre ou não em movimento.



[1] WATY, Teodoro Andrade - Direito dos Seguros, W eW Editora, Lda, 2007, p.46

[2] Prestação pecuniária a cargo do tomador do seguro, como correspectivo do risco suportado pelo segurador, daí compreender-se que o pagamento do prémio obedeça às regras comuns do cumprimento das obrigações pecuniárias.

[3] MARTINEZ, Pedro Romão - Direito dos Seguros – Apontamentos, Editora Principia, 1ª edição – Abril 2006, p.56

[4] Entenda-se aqui a questão da lei dos “Grandes Números” intimamente ligada ao conceito de probabilidade que numa definição não puramente técnica, estabelece que à medida que cresce o número de contratos sobre o risco a segurar, a variação relativa entre os sinistros esperados decresce constamente e se aproxima de zero – KARIM, Omar – Manual de Introdução Geral aos Seguros – EMOSE, C.F.P.S.- Centro de Formação Profissional de Seguros, p.4

[5] É importante reter que o interesse segurável, à semelhança de Boa-fé, Autonomia privada, protecção do consumidor e proibição de práticas discriminatórias, todos estes institutos constituem princípios orientadores do contrato de seguro, previstos na Secção II, do capítulo II, do Livro Segundo, sob título “Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto – Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro).

[6] Artigo 483 e segs do Código Civil

[7] O instituto de responsabilidade civil implica na sua base uma distinção: responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. A primeira sucede sempre que preexista uma relação jurídica obrigacional e aquele que nesta ocupa a posição de devedor não cumpra pontualmente a obrigação – artigo 798º CC. A segunda produz-se sempre que não exista relação juridica prévia e a ocorrência do dano na esfera jurídica daquele que a partir daqui será constituido credor resulte da violação de um dever genérico, maxime acidentes de viação.

[8] WATY, Teodoro Andrade - Direito dos Seguros, W eW Editora, Lda, 2007, p.10

[9] VASQUES, José - Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, p.22.

[10] GERALDES,  António Santos Abrandes  - Acidentes de Viação – Edições Almedina, Coimbra, 2009, p.39.