1. Conceito
Sobre o assunto atinente ao contrato de seguro, o artigo 79 do Regime Jurídico dos Seguros, aprovado pelo Decreto-lei nº 01/2010, de 31 de Dezembro não apresenta uma definição, mas as partes contratantes, nomeadamente, a seguradora e o tomador do seguro, assim como as partes interessadas, como são os casos do segurado e o beneficiário, aos quais cabe exercer os direitos e cumprir as obrigações que derivam e são explicitados no respectivo contrato de seguro.
Na óptica de José Vasques[1] e que nós aplaudimos, está claro que ao não apresentar a definição do contrato de seguro, o legislador deixa o interprete com a tarefa de deduzir esse conceito a partir dos seus elementos integradores. A construção dessa noção deve fazer-se a partir da distinção de figuras mais próximas e pela análise das noções propostas pelos diversos autores.
Da noção do contrato de seguro, o José Vasques adianta em identificar os elementos essenciais que do seu ponto de vista caracterizam o contrato de seguro, designadamente o risco, para deles extrair a seguinte definição:
Elementos essenciais do Contrato de Seguro
Para se celebrar um contrato de seguro, torna-se necessário que estejamos na presença de, pelo menos duas partes, conforme refere o nº 1 do artigo 79 do Regime Jurídico dos Seguros (RJS), nomeadamente, a seguradora e o tomador do seguro e, ainda se tenha previsto um risco para o qual tenha sido pago o respectivo prémio.
Elementos não essenciais
O nº 2 do artigo 79 RJS faz referência que, para além das partes referidas no nº 1 do mesmo preceito legal – seguradora e tomador do seguro – são as partes interessadas o segurado e o beneficiário, aos quais cabe exercer direitos e cumprir as obrigações que derivam e são explicitados no respectivo contrato de seguro. Mas, por outro lado há o terceiro interessado que, em algumas vezes, mesmo não fazendo parte do contrato (na maior parte das vezes, porque noutras aparece com os direitos ressalvados no contrato), se beneficia de alguma indemnização por ocasião de um sinistro.
Como os contratos de seguro são susceptíveis de poderem ser celebrados a favor de terceiros, existem contratos em que, para além dos habituais intervenientes – segurado e tomador do seguro – surgem terceiros interessados no contrato de seguro. Estes terceiros podem ser aqueles que têm direitos ressalvados no contrato de seguro ou beneficiários devidamente identificados na apólice, como são os casos das sociedades de Leasing. A existência de um terceiro interessado, no caso as sociedades de Leasing, estes chegam a consubstanciar-se num elemento essencial, na medida em que, a sua influência é extremamente importante, podendo, inclusivamente substituir-se no pagamento dos prémios, para além dos direitos dos terceiros adquiridos no âmbito do contrato de seguro não poderem ser prejudicados pela cessação do contrato de seguro.
Em determinados tipos de contratos de seguro, o risco que se pretende segurar traduz-se, por exemplo, na vida de determinada pessoa. Nessa situação, identifica-se na apólice a denominada pessoa segura sobre a qual a seguradora garante o pagamento de uma indemnização em caso de morte. Pode assim acontecer que o tomador do seguro e a pessoa segura sejam a mesma pessoa.
Características do contrato de seguro
Nos termos do artigo 102 RJS, no que respeita à forma, o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito e constar de um documento próprio designado apólice de seguro. No entanto, alguns autores defendem que a validade do contrato de seguro é independente de forma especial, porém, não obstante a tal situação, a seguradora tem a obrigação de formalizar o contrato através da apólice, devendo a mesma ser devidamente assinada e datada pela seguradora.
Regra geral, e em particular nos contratos de seguro de seguro designados de massa, o contrato de seguro é habitualmente designado como um contrato de adesão, uma vez que o tomador do seguro se limita a aderir a um contrato em que as respectivas cláusulas estão já previamente estabelecidas pela seguradora, sem possibilidade de as alterar.
Da celebração de um contrato de seguro emergem obrigações recíprocas para ambas as partes, daí se classificar como um contrato sinalagmático.
Tendo em o que atrás referimos o carácter sinalagmático do contrato de seguro, fácil se torna compreender que este tem um cariz oneroso. De facto, o tomador de seguro paga prémio como o preço do seguro, o que resulta um benefício para a seguradora; por outro lado, a seguradora assume o risco que o tomador do seguro lhe transferiu, comprometendo-se a pagar determinada indemnização em caso de sinistro.
Considerando que que o contrato de seguro está dependente de uma alea, ou seja, de um facto fortuito e incerto, é o mesmo que classificado como contrato aleatório. Da ocorrência, ou não, daquele facto ou acontecimento futuro e incerto, as partes sabem que com a celebração do contrato de seguro têm a possibilidade de ganhar ou perder, sendo certo que, naquele momento, ainda não podem avaliar com rigor o quantum do ganho ou da perda devido à aleatoriedade intrínseca ao contrato de seguro.
Diz-se que o contrato é sucessivo na medida em que a sua execução perdura enquanto se mantiverem os efeitos do contrato. Decorre da própria especificidade do contrato de seguro que, imediatamente após a celebração não é possível às partes libertarem-se das obrigações assumidas, com as excepções admitidas por lei, dado que o cumprimento das mesmas abrange todo o período de duração do contrato.
Característica muito particular do contrato de seguro é o facto de este ser um contrato de boa fé. Com efeito, na celebração de um contrato as partes devem actuar de acordo com os princípios da boa fé.
O artigo 86 RJS, no âmbito dos princípios orientadores do contrato de seguro dá conta de que, em todas as fases do contrato de seguro, seja na preparação, na celebração, na execução ou cessação, as parte contratantes, bem como o segurado, o beneficiário, a pessoa segura e quaisquer outras pessoas que, de forma directa ou indirecta, estejam relacionadas com o contrato, devem enquadrar a sua actuação dentro dos princípios da boa fé.
O contrato de seguro é um contrato típico, uma vez que só existem os contratos e modalidades de seguro que estejam expressamente previstos na lei.
Princípios orientadores do contrato de seguro
Boa fé
Artigo 86 RJS - Sem todas as fases do contrato de seguro, seja na preparação, na celebração, na execução ou cessação, as parte contratantes, bem como o segurado, o beneficiário, a pessoa segura e quaisquer outras pessoas que, de forma directa ou indirecta, estejam relacionadas com o contrato, devem enquadrar a sua actuação dentro dos princípios da boa fé.
Autonomia privada
Artigo 87 RJS
Interesse no objecto seguro
Artigo 88 RJS
A celebração do contrato de seguro deve corresponder a um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
Protecção do Consumidor e Proibição de Práticas discriminatórias
Artigo 89 RJS
Distribuição do Risco
Nos termos do artigo 170 RJS, as modalidades de distribuição de risco assumido por uma seguradora consubstanciam-se em práticas de contratos de co-seguro ou de contratos de resseguro.
Nos dias que correm, o co-seguro e o resseguro são duas figuras jurídicas utilizada pelas seguradoras para a dispersão dos vários riscos que assumem. Estas duas figuras jurídicas funcionam como uma protecção para as seguradoras, que, recorrendo a estes mecanismos de diluição do risco, podem assim assumir riscos de grande dimensão.
O regímen do co-seguro está baseado nos artigos 171 a 177 do Regime Jurídico dos Seguros, aprovado pelo Decreto-lei nº 1/2010 de 31 de Dezembro.
Estamos em presença de um contrato de co-seguro quando várias seguradoras assumem conjuntamente um determinado, dividindo entre si as percentagens do capital seguro e, também, na mesma proporção o valor do correspondente prémio. A seguradora que chama a si a maior proporção do risco a segurar denomina-se líder, cujas funções estão sedeadas no artigo 172 RJS, entre as quais:
A apólice de seguro emitida poderá ser assinada pelas co-seguradoras no seu todo, podendo noutras ocasiões ser apenas assinada pela co-seguradora líder, em nome de todas, se, conforme refere a alínea a) do nº 2 do artigo 172, for estipulado que a co-seguradora líder procede em seu nome e por conta de todas as co-seguradoras, ao pagamento integral do valor dos sinistros ocorridos; ou, nos termos da alínea b) do mesmo preceito legal, se houver acordo nesse sentido, entre todas as co-seguradoras, situação que deve ser expressamente mencionada na apólice.
Para cada contrato celebrado em regime de co-seguro, conforme prevê o artigo 173, deve ser estabelecido entre as respectivas co-seguradoras um acordo que defina as relações entre todas e entre cada uma e a líder, a volta dos seguintes aspectos:
No exercício da sua função de liderança, a co-seguradora líder poderá praticar actos que resultem em responsabilidade civil, daí que, nos termos do artigo 174 RJS, esta será civilmente responsável pelas perdas e danos decorrentes do não cumprimento das funções que lhe forem atribuídas.
A materialização do risco assumido resulta em sinistro que quando prevista contratualmente a circunstância da sua ocorrência acciona as garantias da apólice.
Assim, num contrato em regime de co-seguro e nos precisos termos do artigo 175 RJS, os sinistros podem ser pagos utilizado qualquer das modalidades a seguir mencionadas;
a) A co-seguradora líder procede, em seu próprio nome e em nome e por conta das restantes co-seguradoras, ao pagamento do valor global do sinistro; e
b) Cada uma das co-seguradoras procede ao pagamento da parte do sinistro proporcional à quota-parte do risco que garantiu ou parte percentual do capital que assumiu.
Se uma das co-seguradora desejar abandonar o contrato celebrado em regime de co-seguro, deve, nos termos do artigo 177 RJS, com uma antecedência de trinta dias em relação à data em que o pretenda fazer, comunicar tal facto à líder, que dará conhecimento ao tomador do seguro e às restantes co-seguradoras a fim de se decidir sobre a forma de cobertura da quota-parte em causa.
Resseguro
O resseguro é o contrato através do qual uma resseguradora assume, mediante uma determinada comissão, uma parte ou a totalidade dos riscos aceites por uma seguradora ou por uma outra resseguradora.
A grande vantagem do resseguro, tal como no co-seguro, é possibilitar uma dispersão do risco assumido, permitindo assim as seguradoras minimizar as consequências que a ocorrência de um sinistro de ponta poderia representa na estabilidade e segurança financeira da própria seguradora.
O regime do resseguro encontra-se no artigo 178 e seguintes do RJS, onde se prevê a forma do contrato de resseguro e alteração do risco no seguro directo.
Assim, o contrato de resseguro deve ser reduzido a escrito identificando os riscos cobertos e, por outro lado, as alterações ou modificações do capital seguro e em geral das condições do contrato do seguro directo que tenha relação com determinado contrato de resseguro, devem ser comunicadas à resseguradora pela forma e nos prazos estabelecidos no respectivo contrato de resseguro.
No que tange aos efeitos em relação a terceiros, o artigo 179 RJS prevê que i) salvo previsão legal ou estipulação no contrato de resseguro, deste contrato não decorrem quaisquer relações entre o tomador do seguro, no seguro directo, e a resseguradora; ii) força disso, não impede a eficácia da atribuição a terceiros, pela seguradora da titularidade ou de exercício de direitos que lhe advenham do contrato de resseguro, quando legalmente permitida.
Enquanto no seguro directo a relação é entre o tomador do seguro e a seguradora, no contrato de resseguro temos, por lado a seguradora cedente (porque cede o risco) e, por outro lado temos a resseguradora que aceita o risco cedido em parte ou na sua totalidade.
Subsidiariamente, a relação entre a resseguradora e a cedente poderá ser regulada pelas normas do Regime jurídico dos Seguros, quando com este compatíveis, porque de forma normal, a regulação é feita nos termos do correspondente contrato de resseguro (artigo 180 RJS).
Fronting
No âmbito de distribuição do risco, a operação de Fronting constitui uma terceira modalidade. A Operação de Fronting traduz-se na assunção de um risco por parte de uma seguradora com intenção de o transmitir integralmente a outra seguradora ou resseguradora em troca de uma comissão. Na prática, a segura que pratica o Fronting age como um verdeiro mediador de seguros se tratasse, pois recebe uma determinada comissão do prémio.
Normalmente a Operação de Fronting constitui uma prática que só é legalmente autorizada quando as circunstâncias, aliada à falta de capacidades nas seguradoras internas, assim o permitem.
É nestes termos que as Operações de Fronting fazem parte das proibições do exercício da actividade não autorizada, conforme o estipulado no nº 3 do artigo 7 RJS, segundo o qual:
As operações de Fronting só são permitidas quando aceites e realizadas pela respectiva seguradora, tendo em conta a natureza e dimensão do risco.
Por outro lado,
Uma operação de Fronting constitui negócio aceite por entidade habilitada ao exercício da actividade seguradora (cedente) com a intenção prévia de o passar total ou substancialmente a outra seguradora ou resseguradora (cessionária).
Normalmente, uma operação de Fronting é um negócio, tal como o resseguro, que transcende as fronteiras do país onde está sedeado o risco, colocando a seguradora cedente na posição de simples mediadora remunerando-se através de uma comissão.
Modalidades e Ramos de Seguro
De forma especial o Regime Jurídico dos Seguros, nos termos do artigo 181, três modalidades de agrupamento de ramos de seguro, nomeadamente, Seguro de Danos, Seguro de Pessoas e Operações de Capitalização.
O Seguro de Danos, do ponto de vista do seu objecto, pode respeitar a coisas, créditos, direitos sobre bens imateriais ou quaisquer outras situações patrimoniais lícitas.
Nos Seguros de Danos recomenda-se a observação do princípio de não especulação, nos termos do artigo 182 RJS, no sentido de que, o contrato de seguro não tem por finalidade nem pode proporcionar o enriquecimento ao tomador do seguro e/ou segurado, como também está eminente a possibilidade de verificação de desvalorização decorrente do vício próprio da coisa segura. Em caso de danos verificados ocasionados por vício próprio da coisa segura existente ao tempo do contrato, de que o tomador do seguro devesse ter conhecimento e que não tenha declarado à seguradora, aplica-se o regime da declaração inicial do risco, conforme refere o artigo 95 RJS, no âmbito dos deveres de informação do tomador do seguro ou segurado ou de seu agravamento, nos termos do nº 1 do artigo 113 RJS, consoante os casos.
O Seguro de Pessoas
Um conjunto de seguros cuja cobertura incide em riscos da verificação de lesão corporal, incapacidade temporária, invalidez permanente total ou parcial ou morte da(s) pessoa(s) segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
No âmbito da actividade seguradora, os seguros estão divididos em dois grandes grupos denominados ramos de seguro e que podem ser de Ramos “Vida” e Ramos “Não Vida, que por sua vez se dividem em diversas modalidades que ainda se dividem em submodalidade, consoante o tipo de risco que cobrem.
Na verdade, o nº 1 do artigo 15 em conjugação com artigo 6 do Regime Jurídico dos Seguros, no âmbito de acesso e exercício da actividade seguradora são reconhecidos os dois ramos: Ramos “Vida” e Ramos “Não Vida”.
Os seguros de vida compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca de constituição de uma renda que poderá ser vitalícia ou a partir de uma certa idade, ou pagamento de certa quantia, por falecimento de uma pessoa ao segurado, seus herdeiros ou representantes. A seguradora pode, nos termos contratuais, tomar sobre si o risco de morte do segurado dentro de um certo tempo.
As indemnizações ou capitais podem vencer-se ou por morte da pessoa segura e neste caso chamam-se seguros de vida em caso de morte, ou porque a pessoa cuja vida se segura sobrevive ao prazo do seguro, chamando-se seguros em caso de vida
ü Prestações convencionadas;
ü Prestações indemnizatórias;
ü Combinações de ambas
ü Prestações convencionadas;
ü Prestações indemnizatórias;
ü Combinações de ambas
Na verdade, a prática de seguro, está intrinsecamente relacionada com o instituto jurídico de responsabilidade civil, implicando na sua base uma distinção de responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. A primeira sucede sempre que preexista uma relação jurídica obrigacional, neste caso a existência de um contrato de seguro que vincula a seguradora e o tomador de seguro. Enquanto, a segunda traduz-se sempre que não exista uma relação jurídica prévia e a ocorrência do dano na esfera daquele que à partida será constituído credor resulte da violação de um dever genérico, maxime, da violação do dever de respeito por situações jurídicas alheias. Fica aqui evidente a figura do terceiro lesado, que é a vítima de um sinistro e, não sendo parte do contrato, é detentor do direito de indemnização.
O nosso Direito, apesar de manter a dicotomia tradicional prevista nos artigos 483º e Ss e 790º e Ss, todos do Código Civil, acaba, de forma implícita, por aceitar para o essencial, a obrigação de indemnizar, devidamente disciplinada nos artigos 562º a 572º CC.
No dizer de José Alberto González[2], o seguro cumpre uma função: obrigação de proceder à reparação de danos provocados na esfera jurídica do lesado. Isto significa que não se provando a existência de danos não há responsabilidade civil, razão pela qual, ainda que o autor da lesão sinta a realização da obrigação de indemnizar como uma penalização, não é esta, nem objectivamente, nem juridicamente, a respectiva função.
O seguro, portanto, serve unicamente para transferir do lesado para o autor da lesão as consequências, principalmente patrimoniais, da lesão produzida.
Face ao acima exposto, é natural que o entendimento segundo o qual, toda e qualquer forma de responsabilidade pressupõe na sua estrutura uma remissão tripartida: quem, por quê e perante quem. Esta estrutura exige natural e necessariamente um sujeito o qual se responsabiliza por algo perante uma instância reconhecida como capaz de exigir responsabilidades.
Assim, na óptica de José Alberto González[3], na responsabilidade contratual ou obrigacional pode ser objecto de incontáveis distinções e classificações que basicamente se traduz no não cumprimento imputável ao devedor, conforme o previsto nos artigos 790º a 808º CC.
Na verdade, como nos referimos anteriormente, pelo facto de a responsabilidade contratual pressupor a existência de uma relação jurídica, é concebível que o não cumprimento da obrigação daí decorrente para o respectivo sujeito passivo possa ficar a dever-se, tanto a uma conduta que lhe é atribuível, como a um facto natural, a um comportamento imputável a um terceiro.
Fica assim evidente que só há responsabilidade contratual quando o devedor seja o autor do não cumprimento, ainda que a determinação de tal autoria possa resultar de uma presunção, cf. prevê o nº 1 do artigo 799º CC.
No concernente à responsabilidade extracontratual que se reflecte à volta do seguro, entende-se como aquela que admite uma distinção elementar, quando trata de responsabilidade fundada na culpa e responsabilidade independente da culpa.
A culpa é um juízo de censurabilidade de que a conduta de certa pessoa é susceptível por ter revelado certa atitude comportamental, quando, na verdade, podia e devia ter revelado outra. Sempre que a responsabilização de certa pessoa por ter causado danos a outra exija possibilidade de reformulação de tal juízo, está-se perante a chamada responsabilidade subjectiva ou por factos ilícitos.
Na situação em que, para obrigar certa pessoa a reparar um dano causado a outra, tal juízo de censura será irrelevante ou desnecessário, na medida em evidência sempre a responsabilidade é objectiva, justamente porque não depende da culpa.
O nosso Direito Civil, do qual está baseado o seguro, adopta nesta matéria a perspectiva segundo a qual, a responsabilização de alguém por danos provocados na esfera jurídica de outrem exige a demonstração da respectiva culpa, porque a responsabilidade objectiva representa para aquele que nela ocorre. Ou seja, é importante notar que nesta espécie de responsabilidade, o autor da conduta que determina o surgimento de danos na esfera jurídica de terceiro está a desenvolver uma acção ou omissão lícita e não culposa, na medida em que é socialmente admissível e, presumivelmente vantajosa.
Por essa e demais razões e em conformidade, o nº 2 do artigo 483º CC estabelece que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”. Há, por conseguinte, uma determinante no que respeita aos modelos existentes de responsabilidade objectiva, cujo critério permite estabelecer um carácter mais ou menos arbitrário, sendo no mínimo contingente.
É dentro da responsabilidade objectiva que também se pode distinguir a responsabilidade pelo risco, que ocorre sempre que a lei associe ao desenvolvimento de certa actividade potencialmente danosa. É a responsabilidade não subjectiva, isto é, não fundada na culpa, é excepcional no nosso Direito, segundo o nº 2 do artigo 483º CC.
A responsabilidade pelo risco constitui uma das espécies da responsabilidade objectiva e caracteriza-se pela sua ratio consistir em atribuir a quem retira vantagens de certas actividades. Os artigos 499º e ss CC, expressamente prevêem casos de responsabilidade não fundada em culpa, mas no risco próprio de certas actividades, artigos 500º e 501º, danos causados por comissários ou funcionários, representantes ou agentes do Estado ou outras pessoas colectivas de direito público, artigo 502º, danos causados por veículos de circulação terrestre, artigo 503º CC.
E a responsabilidade por factos ilícitos, que funciona como uma categoria residual perante a responsabilidade pelo risco, uma vez que, existirá sempre que a lei institua um caso de responsabilidade objectiva fora do âmbito das acções ou omissões perigosas por natureza. É o que se passa, por exemplo, com o disposto nos artigos 500º e nº 2 do artigo 339º CC.
Em suma, o seguro, como parte integrante do instituto de responsabilidade civil, acciona-se quando alguém no uso de um veículo automóvel se constitui na obrigação de indemnizar outrem por danos que lhe cause. Ou seja, pressupõe a obrigação de indemnizar, partindo da ocorrência de um dano, de um prejuízo causado a terceiro, partindo, também, do princípio que o dano deve consistir numa lesão material ou imaterial a um interesse juridicamente protegido.
Enquanto o instituto de indemnização deve entender-se no preciso sentido definido pelo artigo 562º CC, como “reconstituição da situação a que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo”. Em sentido lato, a indemnização é a reparação do prejuízo sofrido por uma pessoa em consequência do incumprimento ou do deficiente cumprimento de uma obrigação, da violação de um direito absoluto ou da de uma norma que proteja interesses privados.
A apreciação da culpa do condutor devidamente protegido pelo seguro depende da análise das circunstâncias que envolveram os acidentes.
Como critério geral, considera-se que a culpa deve ser averiguada em função da diligência de um condutor médio perante circunstâncias do caso (artigo 487º CC). Deve, assim, ser analisado se houve ou não violação de regras que regulam a condução de veículos, a gravidade dessa violação e a sua relação com a verificação do acidente.
Conforme refere António Abrantes Geraldes[4], é o que pode acontecer, designadamente, nas seguintes situações: atropelamento de peão na passadeira ou desrespeito pelo sinal ou regras que impunham a cedência de passagem por perda de prioridade, desrespeito de sinalização luminosa ou de sinal STOP, excesso manifesto de velocidade, circulação fora da faixa de rodagem, condução estado de embriaguez, efectivação de manobras perigosas, etc.
Não basta, portanto, que o condutor cometa uma infracção para ser considerado culpado pela ocorrência do acidente, pois, é sempre necessário estabelecer-se o nexo de causalidade entre a natureza das infracções cometidas e o acidente, devendo analisar-se todas as circunstâncias que o rodearam.
Assim, por exemplo, se o condutor do veículo atravessa uma povoação em velocidade excessiva, tal facto é naturalmente relevante para apurar a sua responsabilidade pelo acidente que tenha consistido no atropelamento de um peão que efectuava regularmente a travessia da rua. Mas já relativamente a um outro acidente que ocorreu durante o dia, com boa visibilidade, o facto de as luzes de estradas (máximos) do veículo se encontrarem avariadas será, em princípio, irrelevante para o apuramento da responsabilidade.
O processo de regularização inicia com a participação do sinistro, nos moldes previstos no do artigo 136 RJS e a mora na sua comunicação, implica para o responsável pelo incumprimento, o dever de indemnizar à seguradora pelos danos e demais despesas ocasionadas por essa actuação, artigo 137 RJS.
Sobre a matéria do sinistro, José Vasques[5], sugere a observação dos seguintes factores:
a) Prova do sinistro, que consistirá na demonstração da superveniência do evento previsto no contrato nas condições nele previstas, cabendo o ao segurado ou beneficiário o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito à prestação da empresa seguradora.
b) Nexo de causalidade, no sentido de que a realização do risco previsto no contrato terá na sua base determinada causa, de cujo enquadramento nas cláusulas contratuais dependerá a actuação das garantias do seguro. Ou seja, é necessário que apurar o nexo de causalidade entre a causa e o sinistro.
c) Sinistro e delimitação temporal da garantia nos seguros de responsabilidade civil, dado que o momento da verificação do sinistro é de maior importância para aferir da respectiva cobertura pelo contrato.
d) Forma da participação, a qual deve articular o princípio da liberdade de forma e a prova da participação, de que o segurado deverá prevalecer-se. Na prática, em muitos casos, a seguradora põe à disposição do segurado ou do terceiro um impresso próprio para a participação.
e) Ónus da participação do sinistro, uma vez que, o acto de participação do sinistro à seguradora não é uma obrigação do segurado, antes constitui um ónus jurídico, no sentido em que dele dependerá a obtenção da prestação da seguradora, cuja inobservância a poderá condicionar ou mesmo excluir.
f) Conteúdo do ónus da participação do sinistro, que prevê o momento em que o tomador de seguro comunica o sinistro e, posteriormente, formalizando a sua participação e fornecendo informação complementar a formalização da participação consiste na informação detalhada das condições e circunstâncias do sinistro, incluindo-se nessa participação a identificação dos bens ou pessoas afectados, indicações relativamente ao tempo e o local, a eventual intervenção de autoridades policiais, indicação de testemunhas, bem como uma estimativa dos danos.
g) Prazo de participação do sinistro, a principal questão suscitada acerca do prazo é a natureza imperativa ou supletiva dos artigos 136 e 137 do Regime Jurídico dos Seguros.
Entenda-se por sinistro como a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato, considerando-se como um único sinistro o evento ou série de eventos resultantes de uma mesma causa.
É uma classificação dada pelas seguradoras como qualquer ocorrência que venha a causar prejuízos totais ou parciais a bens ou pessoas que impliquem em indemnizações. Aliás, é com a verificação desse evento que provoca o accionamento das garantias da apólice.
Nesta fase é importante fazer uma diferenciação entre um acidente e um sinistro, pois, enquanto o primeiro é dado como acontecimento imprevisto, causal, fortuito que resulta em danos ou ferimentos, o sinistro é o conjunto de todos esses factores e tem por finalidade a indemnização, accionamento das garantias do contrato de seguro.
Portanto, o princípio indemnizatório do seguro, ao basear-se no princípio geral de responsabilidade civil, consagrado no artigo 483º CC, segundo o qual, aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, faz uma ligação ao princípio geral da indemnização que tem por objecto no dever de constituir a situação anterior à lesão – a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso (art. 562º CC).
É o processo ideal da reparação de um dano o da sua reconstituição natural, pese embora este princípio cede, na prática, à indemnização em dinheiro, cfr. o previsto no artigo 566º CC, nos casos em que a reconstituição natural seja impossível (casos de perda total), ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, nos casos em que a reparação, apesar de possível, não reconstitui exactamente o estado em que o veículo ou objecto se encontrava antes do acidente ou quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para aquele que tem obrigação de indemnizar, na situação em que o custo da reparação é manifestamente superior ao valor de substituição do veículo ou objecto, depois de deduzido o valor do salvado.
Por outro lado, a mesma obrigação de indemnizar abrange a reparação de danos patrimoniais e danos não patrimoniais e sempre que transferida a responsabilidade para a seguradora, esta se obriga, pelo contrato de seguro, até ao limite do capital seguro e durante o período acordado, a pagar as indemnizações que, por reparação civil, sejam atribuídas ao segurado em consequência de factos ou riscos expressamente consignados nas condições da apólice.
Aliás, conforme tivemos ocasião de analisar, constatamos que, em matéria de indemnização prevista no contrato de seguro, o artigo 2 do Decreto nº 47/2005, de 22 de Novembro, Regulamento da Lei nº 2/2003, de 21 de Janeiro, estabelece os limites máximos de indemnização, de acordo com o tipo de utilização do veículo automóvel que, ultrapassados os valores extras serão suportados por uma cobertura facultativa de responsabilidade civil ou por outros mecanismos alternativos disponíveis (adoptados ou a adoptar).
Assim, a partir do seguro o tomador de seguro ou segurado têm o dever de colocar o terceiro lesado sem dano, pelo que a indemnização não tem carácter especulativo, não constitui, por isso, um meio de proporcionar o enriquecimento do lesado, e, muito menos, um modo fraudulento de aumentar o património, mas resulta do princípio geral previsto nos termos do artigo 562º CC, tendo em conta ao espírito do instituto de responsabilidade civil.
É nestes termos que, no entender do José Vasques[6] e que nós perfilhamos, o princípio indemnizatório do seguro assenta no carácter não-especulativo do contrato de seguro, segundo o qual o tomador de seguro deve ser ressarcido do prejuízo que efectivamente sofreu, não podendo o seguro constituir fonte de rendimento para os lesados.
O valor de indemnização, nos seguros de danos, como é o caso do seguro, em conformidade com a sua função indemnizatória, deve equivaler ao dano efectivamente verificado (nº 1 do artigo 145 RJS), e dentro do limite máximo de responsabilidade que constitui o capital seguro contratualmente estabelecido, incluindo a indemnização do dano da privação do uso, cuja extensão e complexidade não cabem neste trabalho.
Portanto, na liquidação de danos no seguro prevalecem regras legais, designadamente reconstituindo da situação existente antes da verificação do sinistro, limitando a indemnização aos capitais máximos previamente estabelecidos contratualmente.
Entretanto, João Valente Martins[7], sugere esquematicamente que o processo de regularização dos processos de sinistro deve seguir fases e prazos legalmente fixados. Aliás, em matéria de prazo, o Decreto – Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro, Regime Jurídico dos Seguros, estabelece no seu artigo 136, nº2 que, o sinistro deve ser comunicado à seguradora no prazo fixado no contrato ou, no silêncio deste, nos oito dias subsequentes à data da sua ocorrência ou de que tenha conhecimento.
Assim, as seguradoras, ainda na óptica de João Valente Martins, têm, nos casos em que os danos indemnizáveis não excedam o capital mínimo legalmente estabelecido para o seguro, um conjunto de regras, procedimentos e prazos que devem cumprir relativamente à gestão dos sinistros.
[1] José Vasques – Contrato de Seguro, Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, p.87
[2] GONZÁLEZ, José Alberto - Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora, p.14
[3] GONZÁLEZ, José Alberto - Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora, p. 21
[4] GERALDES, António Abrantes - Acidentes de Viação – Edições Almedina, Coimbra, 2009, p. 45
[5] VASQUES, José - CONTRATO DE SEGURO, Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, pp. 292 e ss
[6] VASQUES, José - CONTRATO DE SEGURO, Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999,p.. 145
[7] MARTINS, João Valente - Prática dos seguros - como as seguradoras regularizam os sinistros, Quid Juris Sociedade Editora, pp. 113 e 115.